Por quais caminhos você se perde?
Desde o começo de minha transição que algo vem me remoendo por dentro , mas nem sempre nossas dores são tão claras, mesmo com a ajuda de terapia, leva tempo para se entender e enxergar o cenário com mais facilidade.
No começo desse ano, aconteceu a 2ª Semana da Visibilidade Trans de Campinas-SP (sim, eu sei que estamos em Julho praticamente), e foi a primeira vez que consegui participar, apesar de ter participado de outros eventos, encontros e grupos da comunidade trans de Campinas, a possibilidade de conhecer novas pessoas da comunidade naquela semana repleta de eventos mexeu comigo de um jeito que eu não imaginava que iria me fazer sumir aquela inquietação que andava sentindo.
E para você entender o que eu senti naqueles dias, eu gostaria de trazer alguns pontos que me fizeram conectar aquele evento com Cultura, senso de Comunidade, e pertencimento.
Eu sempre me interessei por arte de alguma maneira, principalmente arte corporal, ou modificações corporais, e dentro desse interesse acabei conhecendo uma comunidade de adeptos, e uma que me acendeu uma fagulha, foi a comunidade de tatuadores, pois era um mundo magico (acredito que ainda seja), você frequentava o Studio, e depois de muito tempo, fazendo tatuagens e interagindo com aquelas pessoas, você se sentia parte daquilo, e essa sensação era tão boa, era como que se você quisesse morar ali com aquelas pessoas, criar uma comunidade com elas, vamos dizer como se fossemos uma família.
mas também conheci histórias dos povos indígenas, principalmente aqueles que faziam e ainda fazem o uso dessa identidade cultural que os torna únicos dentro daquela comunidade (praticamente a maioria).
Aqui eu preciso dizer que toda essa identificação com as modificações corporais, ocorreram em meados de 2006 mais ou menos, e o interesse em tatuar outras pessoas somente se deu em 2017, buscando resgatar aquela conexão que tive quando conheci o mundo da tatuagem, e resgatando essa conexão antiga, afim de despertar esse mesmo sentimento que eu tive em outras pessoas, para criar a minha própria comunidade.
E nas minhas pesquisas em como ser uma tatuadora, meus olhos se voltaram para a tatuagem handpoke, basicamente é uma técnica mais rudimentar da tatuagem, e através desses estudos independentes sobre a tatuagem eu me conectei demais com a comunidade Maori, um povo originário da Nova Zelândia, característicos por seus gritos de guerra e suas tatuagens, principalmente as tatuagens faciais, onde pessoas que se identificam com o gênero masculino tatuam a face toda ou apenas a faixa de barba (além do corpo é claro), e pessoas que se identificam com o gênero feminino tatuam os lábios e a parte do queixo ou apenas os lábios.
Vendo alguns vídeos pela internet você consegue ver o quão é emocionante para eles realizarem seus ritos ao tatuar suas faces, consegue também sentir a carga emocional que existe naquele momento, onde eles são recebidos pela sua comunidade ao concretizarem o ritual, se enxergam como parte da comunidade e imersos em sua cultura, não que não fizessem parte da comunidade antes, mas o ritual de tatuar a face da aquela pessoa trouxe algo a mais de valor para a sua vida.
Enable 3rd party cookies or use another browser
Um exemplo disso é o que falei no inicio, que a partir do momento que eu de fato me vi inserida na comunidade trans, tudo mudou, é o sentimento de pertencimento, de acolhimento por parte de outras pessoas trans, é a constatação de que outras pessoas trans existem (por mais que temos toda uma conexão via redes sociais, socializar pessoalmente, muda muita coisa), e que existe uma comunidade para além do eu. E ao sentir essa potencia, eu me vi mais forte para seguir com a vida, me inserir na comunidade me ajudou a podar pensamentos que acabavam me colocando para baixo, me desanimando o tempo o todo. Pensamentos estes que foram cultivados durante a quarentena da pandemia, pois o fato de eu me declarar trans durante a pandemia, me fez passar por um processo doloroso pós quarentena, que foi de ter que socializar com a comunidade no geral, sentir medos e receios que eu não sentia ou até mesmo imaginava que existiriam no “conforto” da quarentena.
E entender que essa conexão que existe em certas comunidades, da qualidade de vida para o individuo, me ajudou muito no processo de cura de algumas dores que ainda estão aqui, mas estão mais brandas.
E a ideia para esse texto, se deu quando estava assistindo Resertion Dogs, que é uma série feita em sua maioria por indígenas americanos, uma série bem gostosa de se ver, que me fez refletir (mais ainda) sobre comunidade, pertencimento e o que isso tudo pode trazer para nós.
Espero que este texto lhe traga boas reflexões e que possamos nos encontrar em eventos de nossas comunidades, ou até mesmo organizar, e assim buscar essa conexão que faz toda a diferença em nossas vidas.